Este es el prólogo


Dejaría en este libro
toda mi alma.
Este libro que ha visto
conmigo los paisajes
y vivido horas santas.

¡Qué pena de los libros
que nos llenan las manos
de rosas y de estrellas
y lentamente pasan!

¡Qué tristeza tan honda
es mirar los retablos
de dolores y penas
que un corazón levanta!

Ver pasar los espectros
de vidas que se borran,
ver al hombre desnudo
en Pegaso sin alas,

ver la vida y la muerte,
la síntesis del mundo,
que en espacios profundos
se miran y se abrazan.

Un libro de poesías
es el otoño muerto:
los versos son las hojas
negras en tierras blancas,

y la voz que los lee
es el soplo del viento
que les hunde en los pechos,
entrañables distancias.

El poeta es un árbol
con frutos de tristeza
y con hojas marchitas
de llorar lo que ama.

El poeta es el médium
de la Naturaleza
que explica su grandeza
por medio de palabras.



Federico García Lorca, 07 de Agosto de 1918

ave amore: III

Pausei o relógio. Pousei o relógio e sentei-me; senti-me, no sangue que começara a fluir novamente sob a pele gelada das pernas. Estavam já roxas, trémulas. Sob os olhos, dois abismos rugiam, da mesma cor que um céu tempestuoso. Hesitei e toquei-me naquele vácuo que se fazia de meu cão-de-guarda: a minha maior companhia.
A dor confortava-me e eu só sabia amar, doendo. Sabia que não seria a mesma. Sabia que todos os caminhos eram finas teias de aranha, pequenas gotas de orvalho… eu caminhava descalça e, a todo o custo, esforçava-me para manter o balanço, qual equilibrista sob um chão de espinhos.
Sabia que assim que chegasse ao centro, ao roseiral – oh!, e Deus sabe o quanto eu o queria –, uma cama de fina erva primaveril cobriria toda a dor e daria descanso aos meus pobres pés peregrinos.  
Sorri, ainda trémula, mas segui em frente e no final daquela fina linha de seda, tudo o que eu deixara para trás, evaporara-se. Uma densa camada de fumo ocupava as minhas memórias e o meu peito chamava-me para a natureza.
Colhi, por fim, a melhor das flores. Sorri-lhe e beijei-a, deixei-me envolver pelo toque suave das suas pétalas e bebi daquele perfume. Amei-a. Naquele momento, soube que a amaria até morrer. Soube que todos os meus espinhos foram cortados. Não existia mais barreira nenhuma entre mim e mim mesma. E eu era feliz e eu era energia. E tudo ali era paz e em mim não viveria mais do que a beleza duma rosa.

Muito estranhamente, isto é um ave amore.
Senti um sussurro na pele, como um beijo de erva molhada sob as pontas dos dedos. Tremi. Deixei-me embalar por aquele aperto. Sufoquei-me e senti vontade, de novo, de cravar no corpo a dor que senti na alma. Quis respirar fundo mas senti-me, toda eu, feita de fumo, capaz de desaparecer com um suspiro de andorinha. Cerrei os punhos e, sem que me apercebesse disso, voltei novamente à paz. A dor não sossegara. Ainda estava aqui. Ainda está. Porque o amor não morre. E é por isso que senti paz.
Conheço a fera dentro de mim. Sei quando dorme e sei que, naquele momento, as portas da arena estavam abertas e que eu morreria assim que me visse a um espelho. E já chorava e já me via nas lágrimas que lhe caíam sobre o peito. Mas foi por ele que senti paz.
Pelo calor que, de repente, senti aflorar nas minhas faces, nas minhas mãos. Pela ânsia de sangue que deixei de sentir.

Sei que encontrei a saída de mim mesma.